Sois todos uns trastes
"Literatura","escritores", quase são palavras que se escrevem com maiúsculas. De qualquer forma, pretendido pelos escritores ou não, e eu creio: pretendido, "escritor" é uma palavra que parece ter vocação de maíuscula académica e solene.
É verdade que o escritor, os escritores, procuram respeito, têm medo da sua própria natureza, fogem à sua condição e querem ser cortesãos ou académicos.
Os trabalhadores do irracional, os que mexem e remexem na angústia, na dor, na crueldade, nas paixões mais baixas (todas são bastante baixas...) fazem com que todo esse sangue e pús escrito, não tenha nada a ver com eles. Eles não! Eles, gente normal, pessoas decentes e educadas... "Essas coisas eu escrevo-as mas não as sinto." Por favor! Quadrilha de degenerados e anormais. E ainda por cima hipócritas. Isso é o que todos nós somos.
Vocês não, gente do teatro, vocês já se sabe. São tudo isso, degenerados e anormais, como todos, mas vós não fingis, ou se calhar é porque não o podem fazer. De qualquer forma não enganam com hipocrisias. Já vos chamaram alguma vez para presidir mesas ou actos oficiais? Há muitos de vós em alguma Academia? Não senhor.
Não vale de nada que além de actores, sejam dramaturgos, cenógrafos, que se pendurem num arame... nada. Só sereis respeitáveis quando se afastarem dessas tábuas às quais vos agrada subir para pintar a macaca. A vós, do teatro, preferem colocar-vos uns pesos a mais ou a menos (à cautela) com a ideia de vos manter à distância. E porque não vos chamam quando se trata de puxar o lustro? Querem que vos diga?
Porque não o mereceis!
Porque não prestigiais uma mesa nem um acto solene, sois vós uns inapresentáveis. Porque não conseguis ocultar o que são: cómicos. Sois uns cómicos, uns teatreiros. Porque sois gente de mau viver, porque viveis simulando e quereis fazer ver aos restantes que todos somos uns simuladores, que também nós jogamos os papéis das nossas vidas. E isso de nos dizerem que todos actuamos é absolutamente intolerável, perdoem-me que vos diga assim de cara. No entanto...
No entanto sois vós o verdadeiro rosto da literatura, sois vós o nosso verdadeiro rosto e a nossa verdadeira estatura. A qual não pertence ao altar das estátuas, mas sim ao altar da carne.
Sois vós os sacerdotes e as sacerdotizas do rito humano. O rito da carne.
Sois vós os corpos que passam frio nos ensaios, nesses locais húmidos sem ventilação, que transpira a correr pelo cenário, quem cospe quando berra, quem se magoa quando cai mal, quem actua com febre... sois vós o músculo, o nervo e o osso da literatura, que caminha, que se arrasta, chuta, cai, berra, ri e chora. Sois vós quem transforma a matéria morta, tinta das palavras escritas, na carne que fala.
Sois vós quem se sacrifica uma parte da vossa humanidade e a expõem nesse altar de tábuas para nos redimirmos de tanta ignorância, de tanta desumanidade.
Não. Está visto que não sois nada formais. Deixem-me que vos diga com o coração nas mãos, que sois uns cantadores, uns teatreiros, uns cómicos e uns farsolas. Sois canalha e não tendes pudor nenhum em exibir públicamente o que nos incomoda: a nossa inveja, o nosso ódio, o nosso desejo, a nossa piedade, a nossa falta de dignidade, a nossa covardia, o nosso valor... tudo isso que se tem de esconder porque qualquer um sabe que é de mau gosto. Alguém a emocionar-se não é em geral de bom gosto. Sois vós o que de melhor há em nós, uma coisa que tal como a carne esfolada, temos medo de tocar porque causa dor e sofrimento. Sois vós as balas perdidas que levam a cada um os sonhos de infância que soubemos servir.
Perdoem-nos aos que andamos por aí a passear o nosso busto e estátuas solenes, meus irmãos e irmãs inconfessáveis.
E não contem a ninguém que me viram entre vós, ou nem sequer chegarei a ser alguma coisa.
É verdade que o escritor, os escritores, procuram respeito, têm medo da sua própria natureza, fogem à sua condição e querem ser cortesãos ou académicos.
Os trabalhadores do irracional, os que mexem e remexem na angústia, na dor, na crueldade, nas paixões mais baixas (todas são bastante baixas...) fazem com que todo esse sangue e pús escrito, não tenha nada a ver com eles. Eles não! Eles, gente normal, pessoas decentes e educadas... "Essas coisas eu escrevo-as mas não as sinto." Por favor! Quadrilha de degenerados e anormais. E ainda por cima hipócritas. Isso é o que todos nós somos.
Vocês não, gente do teatro, vocês já se sabe. São tudo isso, degenerados e anormais, como todos, mas vós não fingis, ou se calhar é porque não o podem fazer. De qualquer forma não enganam com hipocrisias. Já vos chamaram alguma vez para presidir mesas ou actos oficiais? Há muitos de vós em alguma Academia? Não senhor.
Não vale de nada que além de actores, sejam dramaturgos, cenógrafos, que se pendurem num arame... nada. Só sereis respeitáveis quando se afastarem dessas tábuas às quais vos agrada subir para pintar a macaca. A vós, do teatro, preferem colocar-vos uns pesos a mais ou a menos (à cautela) com a ideia de vos manter à distância. E porque não vos chamam quando se trata de puxar o lustro? Querem que vos diga?
Porque não o mereceis!
Porque não prestigiais uma mesa nem um acto solene, sois vós uns inapresentáveis. Porque não conseguis ocultar o que são: cómicos. Sois uns cómicos, uns teatreiros. Porque sois gente de mau viver, porque viveis simulando e quereis fazer ver aos restantes que todos somos uns simuladores, que também nós jogamos os papéis das nossas vidas. E isso de nos dizerem que todos actuamos é absolutamente intolerável, perdoem-me que vos diga assim de cara. No entanto...
No entanto sois vós o verdadeiro rosto da literatura, sois vós o nosso verdadeiro rosto e a nossa verdadeira estatura. A qual não pertence ao altar das estátuas, mas sim ao altar da carne.
Sois vós os sacerdotes e as sacerdotizas do rito humano. O rito da carne.
Sois vós os corpos que passam frio nos ensaios, nesses locais húmidos sem ventilação, que transpira a correr pelo cenário, quem cospe quando berra, quem se magoa quando cai mal, quem actua com febre... sois vós o músculo, o nervo e o osso da literatura, que caminha, que se arrasta, chuta, cai, berra, ri e chora. Sois vós quem transforma a matéria morta, tinta das palavras escritas, na carne que fala.
Sois vós quem se sacrifica uma parte da vossa humanidade e a expõem nesse altar de tábuas para nos redimirmos de tanta ignorância, de tanta desumanidade.
Não. Está visto que não sois nada formais. Deixem-me que vos diga com o coração nas mãos, que sois uns cantadores, uns teatreiros, uns cómicos e uns farsolas. Sois canalha e não tendes pudor nenhum em exibir públicamente o que nos incomoda: a nossa inveja, o nosso ódio, o nosso desejo, a nossa piedade, a nossa falta de dignidade, a nossa covardia, o nosso valor... tudo isso que se tem de esconder porque qualquer um sabe que é de mau gosto. Alguém a emocionar-se não é em geral de bom gosto. Sois vós o que de melhor há em nós, uma coisa que tal como a carne esfolada, temos medo de tocar porque causa dor e sofrimento. Sois vós as balas perdidas que levam a cada um os sonhos de infância que soubemos servir.
Perdoem-nos aos que andamos por aí a passear o nosso busto e estátuas solenes, meus irmãos e irmãs inconfessáveis.
E não contem a ninguém que me viram entre vós, ou nem sequer chegarei a ser alguma coisa.
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