sábado, abril 24, 2004

Às portas da Revolução (Parte I)

Faltam algumas horas para que o trintão 25 de Abril cumpra mais um aniversário. A ideia de revolução surge e é falada constantemente nesta altura do ano. Comemora-se o nascimento de uma democracia que derrotou uma ditadura. As mudanças de ideologias. A libertação social e comportamental. A liberdade de expressão. A criação livre. Antes do 25 de Abril de 74, outros mais pequenos houveram nas mais variadas áreas. As conspirações literárias de uma nova estética que nasciam envoltas no fumo de cafés e velhas arcadas. As tertúlias secretas e os manifestos que traziam o prenúncio de uma nova luz. Era a eterna luta dos "ismos".

Essa tenacidade e força de lutar e fazer vingar a vontade da obra do artista (plástico ou literário) ao longo dos tempos foi-se perdendo, talvez...

Hoje já não há espaço para tais revoluções. Porque o comodismo não permite o pulsar energético do coração. A vontade de cativar outros para uma ideologia. A luta dos ideais estagnou na sociedade actual. Os ideais individuais podem surgir aqui e ali. São os sonhos de cada um. Mas os sonhos colectivos não sobrevivem, graças ao egoísmo de todos. Já não há tertúlias, manifestos, vontade de mudar. Atravessamos um enorme período de crise existencial e ninguém se apercebe disso. A busca da identidade é um "vale-tudo". O que daí resulta em nada... Já se perdeu a coragem de olhar nos olhos, de falar ao coração com o coração na boca. Já não há exaltações, espíritos fogoso que enaltecem a vontade do sonho e que não conseguem reprimir o enorme frémito de explodir e implodir dentro da sua ideologia. Os valores de cada um e os valores de um todo!

segunda-feira, abril 19, 2004

A que velocidade queremos nós a fama?

A fama deveria ser considerada o 8º pecado mortal. Para que se quer a fama? O que se faz com ela? Será que para se atingir a fama, é necessário correr riscos, esquecer a auto-estima, os valores, os afectos? Provavelmente não será essa a verdadeira fama. Eu comparo a fama à comida. Temos a "fast-fame", comparável a um hamburguer. Dos tempos modernos, eficaz, rápida, comestível, digerível e rápidamente expelida, inutilizada e ultrapassada. E a fama "tradicional". Um prato que demora tempo a confeccionar, leva bastantes ingredientes, saborosa, temperada, com sal q.b., para ir comendo devagar, saboreando cada momento.



A nossa sociedade actual obriga-nos a viver a um ritmo alucinante. Por isso aplicamos essa noção de velocidade a tudo o que nos rodeia, inclusive ao universo que povoa os nossos sonhos. E a fama é um dos habitantes mais "famosos" desse mundo. Querer atingi-la rapidamente, pode ser a mesma experiência que partir à procura de um pote de ouro na ponta de um arco-íris. Quando queremos desesperadamente atingir a fama, aquela que verdadeiramente atingimos é a fama de idiotas. E olhem que´há muita gente a ganhar dinheiro à custa disso. Basta vermos as figuras tristes que desfilam pelas passereles desses freak-shows denominados "Uma mulher de sonho", "ìdolos" e afins. Os pobres coitados a quem lhes são dilacerados os sonhos e as esperanças, acabam por ter um momento de tv onde todos param para os ver. No entanto, o nascer da fama para esses, acabou por ser um nado morto. Mas quem disse que a fama rápida não é cruel e não tem um preço elevado?

Assim se pagam os pecados... com preços elevados!

segunda-feira, abril 12, 2004

Se quiserem falar comigo... ou contribuir com textos.

Aqui fica o endereço reservado para permitir aos interessados participar com ideias, temas, tópicos de discussão, críticas de teatro, o que quiserem. Para isso, enviem o vosso email para subpalco@hotmail.com. Se quiserem podem adicionar ao vosso messenger para conversar sobre teatro. Estejam à vontade! Espero a vossa participação. E já agora, obrigado pelos comentários. Só é pena não haver mais e com mais polémica!

sábado, abril 10, 2004

O Actor


O actor acende a boca. Depois os cabelos. Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor põe e tira a cabeça de búfalo, de veado, de rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela. Bocado janela para fora. Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente na noite, é o actor, com uma voz pura, monotonamente batida pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca e retira o adjectivo da coisa, a subtileza da forma e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã na sua divagação de maçã. Fabrica peixes mergulhados na própria labareda de peixes. Porque o actor está como a maçã. O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus. Ornamenta Deus com simplicidades silvestres. O actor que subtrai Deus de Deus e dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa a distância de Deus.
Embrulha, desvela.

O actor diz uma palavra inaudível. Reduz a humanidade e o calor da terra à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro. O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.

O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor. Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou de um substantivo. E o substantivo retorna e gira, e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente do nome. Nome que se murmura em si, e agita, e enlouquece.
O actor é o grande nome cheio de holofotes. O nome que cega. Que sangra. Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo, enche o corpo com melodia, corpo que treme de melodia.

Ninguém ama tão corporalmente como o actor, como o corpo do actor.
Porque o talento é a transformação. O actor transforma a própria acção da transformação.
Solidifica-se. Gasifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto, faz crescer o acto.
O actor actifica-se.

É enorme o actor com sua ossada de base, com suas tantas janelas, as ruas.
O actor com a emotiva publicidade.

Ninguém ama tão publicamente como o actor, como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto estado de pureza. O actor ama em acção de estrela, acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento de onde brota a pantomima.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama, vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente como é puro.

Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral

O actor em estado geral de graça.

Herberto Helder

sábado, abril 03, 2004

27 de Março - Dia Mundial do Teatro

(Por impossibilidade física não me foi possível cumprir a promessa que fiz a propósito do dia mundial do Teatro. Só me serve para mais uma vez aprender a não fazer promessas que não sei se hei-de cumprir...)

PARA QUE SERVE O TEATRO?

O Teatro é em primeiro lugar um jogo. Antes de ser clássico ou moderno, poético ou político, catártico ou crítico, o Teatro é uma forma de vida onde o que está em jogo é justamente a possibilidade de jogar a existência. O Teatro é, de todas as artes, a mais próxima da Vida porque ele é o Jogo dos Homens.
Podemos desde logo afirmar que o Teatro sempre existiu porque vive em cada um de nós, seres essencialmente teatrais. O Teatro ou o instinto teatral parece pois corresponder a uma necessidade universal do homem que é a necessidade de transfiguração. Segundo Aristóteles, desde a infência, os homens têm inscrito na sua natureza, simultâneamente uma tendência para representar e uma tendência para ter prazer em assistir às representações teatrais. Porque o Teatro, mesmo sob as suas formas estéticas mais complexas, continua a ser um Jogo. Podemos traçar um percurso que vai do desejo de teatro mais infantil até às portas da profissão e não, como vulgarmente se afirma, um percurso do jogo ao teatro.

O Teatro existe pela necessidade dos Homens brincarem. Hoje mais do que nunca. Porque "hoje, os deuses morreram, estamos sozinhos, o mito esvaziou-se, a tragédia abandonou a cena da cidade grega e foi habitar para o nosso inconsciente. (...) Ficou-nos a nevrose para nos preservar dela, resta-nos o Teatro." (Pierre Bugard)