domingo, fevereiro 29, 2004

Sois todos uns trastes



"Literatura","escritores", quase são palavras que se escrevem com maiúsculas. De qualquer forma, pretendido pelos escritores ou não, e eu creio: pretendido, "escritor" é uma palavra que parece ter vocação de maíuscula académica e solene.
É verdade que o escritor, os escritores, procuram respeito, têm medo da sua própria natureza, fogem à sua condição e querem ser cortesãos ou académicos.
Os trabalhadores do irracional, os que mexem e remexem na angústia, na dor, na crueldade, nas paixões mais baixas (todas são bastante baixas...) fazem com que todo esse sangue e pús escrito, não tenha nada a ver com eles. Eles não! Eles, gente normal, pessoas decentes e educadas... "Essas coisas eu escrevo-as mas não as sinto." Por favor! Quadrilha de degenerados e anormais. E ainda por cima hipócritas. Isso é o que todos nós somos.

Vocês não, gente do teatro, vocês já se sabe. São tudo isso, degenerados e anormais, como todos, mas vós não fingis, ou se calhar é porque não o podem fazer. De qualquer forma não enganam com hipocrisias. Já vos chamaram alguma vez para presidir mesas ou actos oficiais? Há muitos de vós em alguma Academia? Não senhor.

Não vale de nada que além de actores, sejam dramaturgos, cenógrafos, que se pendurem num arame... nada. Só sereis respeitáveis quando se afastarem dessas tábuas às quais vos agrada subir para pintar a macaca. A vós, do teatro, preferem colocar-vos uns pesos a mais ou a menos (à cautela) com a ideia de vos manter à distância. E porque não vos chamam quando se trata de puxar o lustro? Querem que vos diga?

Porque não o mereceis!

Porque não prestigiais uma mesa nem um acto solene, sois vós uns inapresentáveis. Porque não conseguis ocultar o que são: cómicos. Sois uns cómicos, uns teatreiros. Porque sois gente de mau viver, porque viveis simulando e quereis fazer ver aos restantes que todos somos uns simuladores, que também nós jogamos os papéis das nossas vidas. E isso de nos dizerem que todos actuamos é absolutamente intolerável, perdoem-me que vos diga assim de cara. No entanto...

No entanto sois vós o verdadeiro rosto da literatura, sois vós o nosso verdadeiro rosto e a nossa verdadeira estatura. A qual não pertence ao altar das estátuas, mas sim ao altar da carne.
Sois vós os sacerdotes e as sacerdotizas do rito humano. O rito da carne.

Sois vós os corpos que passam frio nos ensaios, nesses locais húmidos sem ventilação, que transpira a correr pelo cenário, quem cospe quando berra, quem se magoa quando cai mal, quem actua com febre... sois vós o músculo, o nervo e o osso da literatura, que caminha, que se arrasta, chuta, cai, berra, ri e chora. Sois vós quem transforma a matéria morta, tinta das palavras escritas, na carne que fala.

Sois vós quem se sacrifica uma parte da vossa humanidade e a expõem nesse altar de tábuas para nos redimirmos de tanta ignorância, de tanta desumanidade.

Não. Está visto que não sois nada formais. Deixem-me que vos diga com o coração nas mãos, que sois uns cantadores, uns teatreiros, uns cómicos e uns farsolas. Sois canalha e não tendes pudor nenhum em exibir públicamente o que nos incomoda: a nossa inveja, o nosso ódio, o nosso desejo, a nossa piedade, a nossa falta de dignidade, a nossa covardia, o nosso valor... tudo isso que se tem de esconder porque qualquer um sabe que é de mau gosto. Alguém a emocionar-se não é em geral de bom gosto. Sois vós o que de melhor há em nós, uma coisa que tal como a carne esfolada, temos medo de tocar porque causa dor e sofrimento. Sois vós as balas perdidas que levam a cada um os sonhos de infância que soubemos servir.

Perdoem-nos aos que andamos por aí a passear o nosso busto e estátuas solenes, meus irmãos e irmãs inconfessáveis.

E não contem a ninguém que me viram entre vós, ou nem sequer chegarei a ser alguma coisa.

terça-feira, fevereiro 24, 2004

Modelos vs Actores

Já uma vez ouvi falar de uma teoria que diz que nós temos sempre a tendência para fazer aquilo em que temos menos competência. Irrita-me profundamente ver o raio dos modelos a tirar o lugar aos actores. Isto já não é de agora. Telenovelas com modelos, filmes com modelos, peças de teatro com modelos... mas a mim que não sou modelo e estou longe de chegar a isso, nunca me pediram para desfilar numa passerelle ou fazer um portfólio fotografico de moda. Bem sei que a televisão vive da imagem, que os olhos também comem. Há actrizes bem bonitas e actores também. Com boas técnicas de dicção e de interpretação. Não é raro ver nos castings, as meninas e os meninos a acenarem com os recortes dos catálogos de pronto-a-vestir, para afirmarem que também são modelos na tentativa de passarem a ser actores...



Escolas de Teatro para quê? Escolas profissionais, superiores, semi-profissionais, anti-profissionais? Para quê? Toda a gente nasce com capacidade para cantar, dançar, representar. Depois só tem de a desenvolver. E é necessário o teatro de amadores, convivendo com o teatro profissional...



Mas daí a permitir que se seja "actor profissional" sem ter o estatudo devido para isso, considero-o eu (que sou actor profissional) uma enorme afronta a todos os actores profissionais, credenciados ou sindicalizados. Mesmo que isso do 'sindicalizado' seja apenas uma coisa "de honra". (Ainda irei falar do sindicato...)



Nunguém me deixa ser advogado sem curso, por mais conhecimentos de direito que tenha. Ninguém me deixa ser médico, mesmo que tenha tirado um curso de socorrista. A problemática dás profissões artísticas é que realmente lidam com capacidades humanas quase inatas (para não dizer mesmo - inatas). No entanto, até os jogadores de futebol se dividem por... DIVISÕES!



Ruy de Carvalho a contracenar com um fulano que só porque disse no Big Brother que queria contracenar com esse actor e isso acontece (porque a estação televisiva ATÉ era a mesma). Parabéns! Eu hei-de telefonar às produtoras a dizer o mesmo...



Castings para companhias de teatro? Realmente "quem te avisa, teu amigo é..." Mas isto fica apenas entre amigos...



Os modelos, possuem agentes. Há agências de modelos. Que interferem no mercado de trabalho dos actores. Não que isso me aconteca a mim. Felizmente, trabalho não me falta. Mas porque é que só há meia dúzia de agentes (quase privados) de meia dúzia de actores? As agências de casting para actores são ridículas. Movimentam-se num círculo restrito. Saltitam entre Porto e Lisboa... E apenas para um circulo restrito de propostas.



As profissões artísticas em Portugal, estão sujeitas à lei da selva. Uns comem-se aos outros (por vezes das formas mais hetero-doxas ou homo-doxas.) Passar a perna é palavra de ordem. A rasteira é a boa-acção mais apreciada.



Mundo cão ou não eu gosto dele. Mas dá-me pena que em certas coisas sejamos ainda tão "feudais"...
Em absoluta estreia. Sup-Palco. O novo blog onde poderemos falar mal e mal e ainda mais: Falar Mal da vida teatral portuguesa. Já que as conversas de "corte-e-costura" têm por hábito passar-se ao redor de mesas de cafés recônditos e casas particulares, aqui temos o espaço aberto para a má língua, ao abrigo do anonimato da lei do nickname.

Artistas, actores, modelos, carinhas larocas e outros que tais... não pensem que o teatro é para todos. Apesar de todos poderem fazer teatro (até mesmo os actores...)