Ora cheguei eu hoje a Aveiro onde estive a semana toda a fazer o espectáculo "Maldita Matémática" quando me deparei com um outro espectáculo! No salão nobre dos Bombeiros Novos de Aveiro, mesmo ao lado do nosso cenário, estava montado todo o equipamento necessário para (pasmem-se) uma recolha de sangue!
É isso mesmo... andavam por lá enfermeiros a preparar o equipamento, e já estava uma fila de dadores, prontos a salvar vidas.
Fiquei espantado e perguntei o que se passava. Ora, responderam-me que tinha havido um engano nas datas e marcaram as duas coisas para o mesmo dia, no mesmo local.
Faltavam 45 minutos para começar o espectáculo, já vinham a caminho perto de 160 crianças, de três escolas diferentes. E depois veio uma pergunta bombástica:
Acha que isto vai fazer alguma diferença ao espectáculo?
Fiz o filme todo na cabeça: Um espectáculo de teatro a decorrer, com 160 miúdos a assistir, a abordar um tema como a Matemática e mesmo ao lado uns espectadores especiais a dar sangue... Isto não faz lembrar o Natal dos Hospitais? Por outro lado, pensei na reacção dos professores e alunos que ali se dirigiam para ver um espectáculo de teatro, paredes meias (só existiam uma especie de biombos que não tapavam tudo) com uma sessão de recolha de sangue. Por mais que eu e a minha colega nos esfalfássemos, talvez a atenção não estivesse voltada para nós.
Como é lógico entrou-se num litígio. O espectáculo (que era às 11 horas) não podia ser cancelado ou adiado para a parte da tarde. A sessão de recolha de sangue também não.
E aqui gerou-se a revolta (nos dadores) - e devo dizer, principalmente naqueles que obtém benefícios fiscais a troco do pretenso acto voluntário de "salvar vidas", porque a recolha teve de ser adiada para outro dia.
Não posso deixar de reflectir no seguinte: Como não podia deixar de ser ouvi as vozes erguidas ao alto dizendo "Eles que façam a festa, dão prioridade às crianças." "As crianças que dêm sangue, já que elas é que tem todos os direitos".
E nós? Eu, a Sandra, a Andrea? Não trabalhamos? Estávamos ali para brincar? Não tinhamos invadido nenhum centro de saúde para fazer Teatro. Estávamos lá há já uma semana a fazer dois espectáculos por dia. Não somos trabalhadores?
O que me deixou mais triste mesmo assim foi o facto de quem cometeu este erro, se ter fartado de pedir desculpas ao pessoal médico pelo facto de terem montado as máquinas e as terem tido de desmontar logo a seguir. Mas não houve uma única alma que nos pedisse desculpas pelo facto de estarmos prestes a começar um espectáculo para a infância, num estado de nervos tal, que se não fosse o nosso profissionalismo, poderiamos simplesmente alegar que não possuíamos condições para tal.
Séc. XXI, sociedade globalizada, informação, civilização por vezes são termos que acho que não chegaram ao conhecimento de determinadas pessoas.
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